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Moema

Nívea Moraes Marques

Entreguei meu corpo à morte. Meu coração, te entrego, ainda nessas condições.


Todo o mar é pequeno aos meus pés e nunca fui Senhora nos teus lábios.


Entregas o teu passo a que caminhos?


Sorri pra vilas e tias e conhecidos de que mundo?


Nunca me interessei pelas origens do teu povo, pela vida em tuas cidades, não conheço os teus rochedos, nem ao menos sei, se esse mar pequeno aos meus pés, conseguiu chegar aonde ordenastes.


Meu amor, Dragão do Mar, passeias entre deuses e ainda preferes (como eu) esse lindo nome com o qual eu não te batizei: Caramuru.


Nessa língua que eu falo, todos os sons são ariscos e imponentes, denunciando em cada sílaba a doçura nossa.


Sei que ela também fala essa língua, mas ela nunca quis te dizer Caramuru, como eu ainda quero nessas condições.


A ira afaga ainda mais esse amor em mim. Repito para as aves prontas para a rapinagem: Caramuru. Em silêncio, as aves fecham suas asas e começam a pentear os meus cabelos.


Meu nome é Moema e também é lindo o dizer: Moema.


Moema vive, ainda que nessas condições.


O mar é pequeno aos meus pés e por que insiste essa paisagem, protegendo meu corpo quase vivo entregue à morte?


Sei que o desespero dos meus músculos e a fúria toda empregada nesta última tentativa de arrancar amor daquele que dá ordens ao mar e diz serenamente: Segue!, de nada adiantaria, como de fato, de nada adiantou. Mas meu corpo quase vivo precisa a cada morte te dizer: Caramuru... Moema... .


E nem tanta água flutuante é capaz de combater as visões de fogo que aos meus olhos chegam.


“A morte é certa, Moema”, poderiam me dizer. Mas eu já não ouço, nessas condições.


Quem poderia compreender que em minha voz Caramuru é de Moema. E que ainda nessas condições Moema é feliz ao dizer: Caramuru.


Aprendi outras palavras, é claro. Como as outras meninas que nasceram quando nasci.


Para elas, todas as palavras fazem sentido. Para elas, todos os dias são grandes demais para repetirem corriqueiramente essas mesmas palavras.

Para Moema, com o corpo entregue à morte, ainda viva, nessas condições, não importa mesmo o sentido que a palavra tem.


Fecho e abro meu alfabeto nesse mar pequeno aos meus pés, sem ter conhecido a ventura do corriqueiramente.


Todos os meus dias foram e serão insuficientes a entender o para quê. Mas continuo, ainda nessas condições, dizendo, sem comportar a força desse nome:

CARAMURU.

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